NÚCLEO DE ANTIGOS-ALUNOS DO COLÉGIO SANTO INÁCIO
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    publicadas em 2005



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fevereiro/2003
A Turma de 1962 reuniu-se
QUARENTA DEPOIS
João Luiz Coelho da Rocha (62)

Todo mundo parece perceber que o tempo anda bem mais devagar quando somos crianças, ou jovens, e depois vai acelerando de um modo assustador.
Talvez por isso, no retrospecto feito, os anos de colégio aparecem tão fortes, marcados a ferro e fogo na memória.
Confesso que, na minha memória, privilegiada talvez por alguns anos de psicanálise e umas razoáveis pílulas de Prozac, tudo fala de uma época fantástica, cheia de sonhos, conquistas e perspectivas.
E muito ajuda que o colégio era o Santo Inácio, onde minha turma se formou em 1962, com essas quatro décadas agora festejadas.
“O que você estava fazendo no verão de 1963?” Uma pergunta destas chamava a atenção nos cartazes para o filme seminal, poético, finíssimo, sobre o fim de uma era jovem, “American Grafitti”, que aqui passou sob o título “Loucuras de Verão” (como se “American” fosse loucuras e “Grafitti” uma espécie de genitivo de “summer”; agüente-se os tradutores).
Pois no verão de 1963, minha turma se despedia do Santo Inácio, depois de tantos anos ali, forjados a carteiras escolares, giz, quadro negro, castigos, medalhas, recreios, missas, álgebra, português, geometria e o sagrado ofício de pensar a sério sobre a vida.
Um tanto perplexo, um tanto esperançoso, saí dali em um calorento dezembro (“parece dezembro” de um ano dourado) como se um vórtice de poeira do tempo varresse aqueles pátios enormes a fundo, carregando para longe, racionalidade, a verdade e a aplicação lógica, bem gauleza, do Professor Chambriard, ou a gaiatice amiga do “Espinheirol”, ou o pé de boi do Professor Gonçalves, o “Tucano”, que não faltava a nenhuma aula, ou a amizade jovem do então Padre Angelim, as confissões compreensivas e amigas com o Padre Leme Lopes, ou a chateação incrível daquelas horas no “estudo”, um bando de garotos em silêncio fedendo a suor, alguns ainda a flatos. Ou as provas orais sob nervos armados perante a banca, ou às incríveis aulas de canto orfeônico (?) que sempre acabavam com o “dó” no compasso seguinte.
O que houve do bar do vovô e do Adelino, daquele picolé de uva cuja tinta saía na primeira mordida e só restava gelo? E as balas de ameixa que nunca mais na vida achei?
Onde puseram o ônibus 4, que nos pegava em Ipanema, dirigido por um motorista baixinho e alucinado, que, por incrível, se chamava “Cornélio”?
O tempo, doce tempo do colégio, está assim desenhado nessas linhas de memória as quais eu posso creditar à qualidade humana e profissional do Santo Inácio.
Caramba, em 1962 acabou meu tempo de Colégio Santo Inácio, e o Brasil ainda era parlamentarista de fachada, e o Presidente era Jango Goulart. E a Doris Day ainda era virgem. E o Botafogo era bi-campeão carioca, com a última grande exibição de Garrincha, arrasando o Flamengo. E a cidade era um Estado... da Guanabara, e Carlos Lacerda, governador, foi o patrono da formatura, tentando fazer um discurso mais belo que o do Victorino Chermont, nosso eterno homem da palavra.
Pelé, hoje sessentão, era apenas um fenômeno jovem, e Elvis Presley, que já morreu, era nosso ídolo. Que ouvíamos, é claro, no “Músicas na Passarela”, ao fim da tarde, na Rádio Tamoio, estudando física ou química, alternando com Sinatra, Ray Coniff, Românticos de Cuba, onde foi tudo isso? Cadê o ônibus 264, que pegávamos na ida até a Voluntários, e pegávamos na volta, na São Clemente? Que tinha o apelido de “visite sua cidade”, porque de Ipanema até lá ele fazia um trajeto exaustivo.
E a meninas do Jacobina? E o próprio Jacobina? E uma moreninha clara, chamada Marilu, que tomava o 264 na esquina da Gomes Carneiro? Não há nem mesmo mais meninas chamadas Marilu. E decerto não há mais o Colégio Jacobina para colocar na rua aquelas gazelas embalando os sonhos dos inacianos.
Sonhos de meninos, certamente hoje não iguais aos nossos, nós personagens de anos dourados, chorando em “Suplício de uma Saudade” como lembra meu amigo e colega Horácio Falcão, ardendo de paixão na dança de Kim Novak em “Pic Nic” ao som de “Moonglow”, vibrando com uma ou duas copas do mundo na livre imaginação das ondas radiofônicas. O “cheek to cheek” nas festinhas, coca-cola com rum (houvesse fígado), crush com vodka, Hotel Glória, Monte Líbano, Ed Lincoln.
Aquelas escadas colegiais que em 2003 vão virar centenárias com as depressões nas duas extremidades dos degraus, por onde nós, e tantos outros antes, e mesmo alguns depois, subíamos e descíamos em filas severamente vigiadas. O que não impedia uma ou outra sacanagem como pisar no calcanhar de quem ia na frente.
Castigos no corredor, em pé, durante o recreio, por excesso de bagunça. Retidos depois da 5 horas da tarde, em uma sala vazia. Suspensões às vezes, faltas graves, e eu entrei numa dessas por ter um tanto desaforadamente xingado um religioso.
E os títulos de Conde, Duque, Príncipe e Imperador, a nobreza das melhores notas, uma corte que era sempre capitaneada pelo Sérgio Gonçalves para complexo de tantos de nós.
E as medalhas na rococó “Festas das Dignidade Escolares”, uma espécie de olimpíadas do saber. O Sérgio deve ter um armário cheio delas, até hoje. Nas horas de insônia cogito mas não consigo entender o que se pretendia com aquela história de “Próximo ao prêmio”. Bateu na trave?
Personagens e matérias se misturam na lembrança. O ótimo caráter do Professor Araujinho a redigir “Talento e bondade”, num binômio que fica no registro de final de infância: saber e caráter. O “Mendes” português de sobrancelhas à “Geppeto”, ensinando aritmética: “O menino errou, é tolo, é desinteligente”. Um cara meio adamado, acho que era Gama, ensinando literatura, e tínhamos que recitar algo desse teor: “Delineia o Ocidente em agonia, o sol, as aves, em bandos fogem, fecha-se a pálpebra do dia” (argh!)
O Professor Cortinhas que à saída de algumas libações teria visto um disco voador, o Professor Sebastião Araujo, dizem, inventor do bilígono (polígono de dois lados), o inglês macarrônico de um professor gordo e simpático, cujo nome se foi. O Professor Nelson Costa e seu Fiat pulga caquético, o Professor Dutra que, já havia mais de 40 anos, tinha seus 70 anos.
Em química inorgânica “CU” era símbolo de cobre e sempre se gargalhava, menos quando o Professor Cyril estava de ressaca. O Professor Mário Couto, de geografia, teve tifo. O Pontes, de química, era um mitômano, fabulista, contava que a curva da entrada era tão fechada que chegou a ver a placa traseira. Mas a química inorgânica era melhor, não tinha essa ditadura do carbono presente nas coisas vivas.
O grande Chambriard ensinava matemática e raciocínio lógico, e gritava para não esquecermos o “trasse da fraçon”.
Éramos felizes e, é claro que tínhamos percepção disso. Ainda que o percurso da vida traga tantas e tantas experiências que, ao fim das contas, nem sempre conseguimos bem categorizar a importância do colégio.
É claro, hoje sabemos bem mais. Yeats, célebre poeta, dizia: “Body decrepitude is wisdon/ young/ we loved each other/ and knew nothing”.
Mas, ainda assim, gostaria de pegar uma carona na relatividade geral do Einstein, ao ritmo da velocidade da luz, e visitar aquele passado. Ilusão curta ou serena contemplação de um tempo bem vivido?
De volta para o futuro.

março/2003

TURMA DE 1967
35 ANOS DE FORMATURA
Sergio Frederico de Miranda Jordão Clark

Foi com grande alegria que recebi a incumbência do meu caro compadre, Evandro Leal de Souza Lima, de saudar nossa turma, por ocasião desses 35 anos de formatura.
Como tudo na vida tem sua primeira vez, essa é a primeira vez que cumpro essa missão. Perdoem-me as falhas e ou omissões que por ventura venha a incorrer.
Não me considero velho. Tenho 53 anos, e acho que como todos giramos na mesma faixa, nenhum de nós se considera velho também. Mas convenhamos, 35 anos de história de vida, já dá para começar um livro de memórias.
Lembro-me no dia em que não fui aceito no colégio ao fazer um exame para o admissão. Fiquei muito triste, mas sabiamente meus pais me colocaram num colégio preparatório, para novo exame no ano seguinte, chamado Nossa Senhora das Vitórias, dirigido por D.ª Laura do Rego Monteiro e pelo Professor Cardoso.
Lá fiz o admissão e estudei muito para prestar exame no Santo Inácio para o 1.º ano ginasial. Finalmente fui aceito em 1960 para minha grande alegria e, creio eu, orgulho de meus pais. Aí começa minha história nessa fantástica instituição.
Nunca me esquecerei do 1.º time de futebol que joguei, Chamava-se Grécia e sua camisa era amarela e preta e tinha por estrela um querido colega que nunca mais vi ou ouvi falar - Sergio Chastinet - que além de jogar bem, sentava-se a meu lado no estudo. Foi uma das primeiras amizades que aqui fiz.
De 1960 a 1967 passei por fases e vivi histórias fantásticas de amizades, coleguismo, alegrias, tristezas, preocupações, lauréis e castigos.
Lembro-me dos mais marcantes:
da missa colegial com uniforme de gala, no pátio interno do colégio; da fila do pão doce, na qual entrávamos e saíamos várias vezes para matar a fome; dos campeonatos de futebol; do dia que substitui pela primeira vez o Gesse Teixeira no gol de nosso time contra um time de fora. Creio que o do Colégio São Luís; do futebol do Aloisianum aos sábados com o Avaré; dos primeiros colegas de estudo e de jogo de poker noturnos - Xavier Van Hoogstraten, José Francisco Gouveia Vieira, João Teodoro Arthou, João Carlos Souza Gomes; dos professores: Guimarães – Português (o da inesquecível dança com Mário Lacerda), Dutra – Português, Aníbal Espinheira, Vilas Boas, Jacques Chambriand, Motta e tantos outros; dos padres: do Padre Ormindo que me impressionou por sua habilidade com a bola de futebol, além de sua infinita bondade e ternura; do Chaves que me apavorava com o seu olhar penetrante ao passar pela porta da sala de aula fingindo que lia o seu breviário; o Henrique, sempre atento e duro para manter a disciplina; do Angelim, tão amigo e tão compreensivo; do Padre que repetia nossos pecados alto durante a confissão, fazendo os demais colegas ouvirem e rirem de nós. Creio que era o Padre Theus; dos inspetores do corredor, Ratinho e outros; da primeira vez que fumei e que quase botei fogo no papel higiênico; das aulas de Educação Sexual com aquele Monge trapista que apelidávamos de Boitatá, com a história inesquecível também do nosso Mario Lacerda sendo expulso de sala após uma pergunta imoral e capciosa; da maçã podre na mesa do Professor Cegalla, que fez a mesa despencar da cátedra com o soco que deu nela; das noites e noites de aulas do Motta, nos preparando para o vestibular de Engenharia.
E tantas e tantas outras lembranças que se aqui fosse enumerá-las, creio que passaríamos o resto da noite aqui, e ainda não as esgotaríamos.
Desejo hoje, em primeiro lugar, agradecer.
Agradecer a meus pais por terem me colocado no colégio; agradecer a meus professores e orientadores pela preparação técnica que tive e que vem sendo de grande valia em minha vida; agradecer a meus queridos colegas, que sempre me dedicaram amizade, compreensão, camaradagem e companheirismo; agradecer finalmente aos padres e professor religiosos que me deram a fé em Deus Nosso Senhor que hoje tenho e que sempre norteou minha vida e que rogo a Deus que venha a nortear a de meus filhos e netos, porque ela é meu maior poder. Foi com ela que superei grandes problemas que atravessei e é com ela que pretendo morrer quando Deus me chamar.
Em seguida, desejo deixar com todos, uma mensagem de esperança e confiança em nosso pais, tendo em vista o novo governo que se elegeu prometendo criar os empregos que nossa gente tanto precisa, erradicar a fome que muitos brasileiros ainda sentem, alfabetizar os milhões de analfabetos que ainda temos, e muitas outras coisas.
Independentemente de quaisquer facções políticas que creiamos e ou pertençamos, exorto a todos a colaborarem, da melhor maneira que puderem para que consigamos diminuir essas mazelas do nosso Brasil e assim possamos legá-lo a nossos filhos com um horizonte melhor do que aquele que recebemos.
E por fim, sugiro que nossa turma dê o exemplo, criando uma comissão permanente para a criação de eventos caritativos de ajuda aos pobres.
Não poderia terminar essa singela saudação sem mencionar um querido colega que perdemos esse ano: - Nelson Goyanna Filho – querido amigo, grande tricolor, alegre, solidário, amigo dos amigos.
Lembrei-me muito de você, Nelson, nas finais que nosso Fluminense acaba de participar no campeonato Brasileiro de Futebol. Pedi muito a você para que intercedesse junto a Nosso Senhor no Céu para nos dar aquele golzinho salvador.
Saiba que aqui estamos reunidos pensando em você e rezando pela sua alma e termino minhas breves palavras pedindo a todos que se levantem e que juntos, de mãos dadas, rezemos um Pai Nosso e uma Ave Maria, em sufrágio de sua alma.

abril/2003
Mário Pinheiro de Vasconcellos Werneck foi aluno de 1937 a 44. Foi também Professor de Inglês do CSI durante muitos anos.
As três historinhas a seguir foram enviadas por ele.
Agradecemos a atenção e a gentileza.
Agradecemos ainda mais a partilha de momentos que, para ele, foram especiais.
Agradecemos a possibilidade de também "saborear" situações, pessoas. fatos e comparar isso tudo com situações, pessoas e fatos atuais.
Quanta saudade...

"NÉ?!"

Na década de 40/50 havia um professor de matemática chamado Prof. Couto. Era um ótimo professor e ótima pessoa. Porém tinha um cacoete.
No final de cada frase, ele sempre acrescentava um "né?". Exemplo: "Depois de amanhã será feriado,‘né?’"
Um belo dia, os alunos das cinco turmas do curso Clássico resolveram fazer um "bolo", i.e., alguém em cada sala anotava quantos "nés?" o Couto dizia durante a aula e, ao final da última aula, na 5.ª sala, a turma que acertasse quantos "nés?" o Couto tinha dito levava toda a quantia que, então, seria rateada pelos alunos da sala vencedora. Ao final da aula na última turma, fazia-se um grande alvoroço para saber quantos "nés?" haviam sido ditos naquela última turma para, assim, ao saber-se o total, a turma vencedora levar o "bolo".
Digamos que o resultado total tinha sido 179 "nés?". A turma que mais se aproximasse do total seria a vencedora.
Mas naquele dia, a gritaria da turma vencedora foi tal que o Prof. Couto censurou o estardalhaço pois não estava entendendo nada. Aí ele disse: "Não sei pra que tanto barulho, ‘né?’".
Aí o resultado pulou para 180, e outra turma ganhou o "bolo", só por causa desse último "né?"!!!
A algazarra foi geral (cerca de 150 alunos) e foi preciso o Padre Prefeito intervir para serenar os ânimos!
Mais tarde o Prof. Couto soube da aposta e não gostou nada, nada, nada e foi se queixar ao Pe. Reitor da brincadeira de "mau gosto".
Desta vez, nada aconteceu aos alunos...

UNIFORMEMENTE VARIADO

Na década de 1940, o uniforme do Colégio Santo Inácio era de brim pardo.
Paletó com quatro botões, quatro bolsos e...cinto! Sapatos pretos e meias brancas!
Dependendo da série, a calça podia ser curta ou comprida.
Surgiu, então, um problema: em algumas salas havia meninos maiores e outros menores; os maiores, independente da idade, sentiam-se constrangidos em usar calça curta.
Um dia houve uma reunião solene da reitoria e padres prefeitos com os pais, e o comprimento da calça ficou liberado: quem quisesse podia ir de calça comprida, quem não quisesse iria de calça curta.
Foi aquela mistura!
Posteriormente (não me lembro quando) a obrigatoriedade do uniforme foi abolida.

OBRIGATORIEDADE

Aos domingos a assistência à missa era obrigatória. Obrigatória mesmo!
O uniforme era todo branco, com cinto vermelho afivelado e mais quepe branco com pala e uma tarja vermelha.
Quem não fosse à missa tinha que levar na segunda-feira seguinte uma justificativa para a ausência, o que era feito na caderneta e visada, posteriormente, pelo padre prefeito.
Aos poucos a obrigatoriedade da missa foi suspensa e o tal uniforme também.

maio/2003
Dr. Emanuel Sodré Viveiros de Castro (1934), ainda hoje advogado militante com 55 anos de atuação profissional, enviou a crônica do também ex-aluno Carlos Saboia, publicada no jornal Correio da Semana, de Sobral-CE, em 17/mar/2000.
Na carta que a acompanhava, faz algumas observações: “ao ensejo da próxima comemoração do centenário do Colégio, ocorreu-me rebuscar, nos meus arquivos, algo que pudesse relembrar a passagem minha e de meus quatro irmãos homens pelo Colégio. Posteriormente, três filhos meus, homens, também cursaram o Colégio. (...) esta crônica, que se inicia e termina se reportando aos ‘bons tempos’ do Colégio Santo Inácio, situados no final da década de 20 até o meado da década de 30, (...) contendo pequenos equívocos meramente fáticos - por exemplo, omitiu que o ‘Ormindo’ (Padre Viveiros) foi Reitor do Santo Inácio e, além de Reitor da PUC-Rio, foi Reitor da Universidade Católica de Goiânia, e não do Paraná - bem retrata a vida do Colégio e das famílias da época, nos idos das décadas 20/30, portanto, refere-se a minha irmandade e não aos meus filhos. (...) A referência às famílias Maia Penido (Frei Basílio), Parreiras Horta, Sant’Ana, Gabizo de Faria, Mello Sabugoza e Aciolli de Sá enfatiza que o Colégio Santo Inácio bem educava as famílias, como hoje ainda faz, sob orientação cristã. E bem retrata a vida no Rio de Janeiro dessa saudosa época, da qual, saudosismo à parte, se não era melhor do que a de hoje, sem dúvida que era bem mais tranqüila.”
Terminando a carta, Dr. Emanuel faz um pedido: ele gostaria de contactar outros alunos da Turma de 1934, da qual só conseguiu localizar o também advogado Ernani Teixeira Filho.

O QUINTETO
Dr. Carlos Saboia

Lauro, Augusto, Eurico, Ormindo, Emmanuel (Maninho), cinco irmãos separados por diferença extrema de idade em cerca de dez anos. Alunos do Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro.
Todos bons de bola. Todos botafoguenses, jogaram no glorioso em várias categorias, até como profissionais ou semi.
Sobrinhos do Almirante Benjamin Sodré, o lendário Mimi Sodré do Botafogo, era de 1910, que celebrizou-se pela perícia e pelo caráter. Como almirante foi figura muito respeitada por suas atitudes firmes e democráticas. Seu pai, o avô do quinteto, era o general Lauro Sodré, o principal nome na. agitada política do Pará, na República Velha, militar positivista com saliente atuação no plano nacional. Por motivos doutrinários chegou a chefiar rebelião contra a obrigatoriedade da vacina antivariólica, instituída por Oswaldo Cruz.
O quinteto era de filhos do Almirante Viveiros de Castro e netos do Ministro do Supremo Tribunal homônimo (hoje nome de rua em Copacabana), da época em que ocupar o cargo era garantia de dignidade e saber.
Eu era colega de classe e amigo de Augusto. Meu primo (futuro almirante) José Cruz Santos, nascido em Sobral no sobrado que hoje abriga o Museu Diocesano, era colega e amigo do mais velho, Lauro.
Por isso, apesar de ser eu “perna de pau” e flamengo (condição que trouxera de Sobral e que só larguei quando me desinteressei por futebol), fui admitido no restrito grupo de colegas de colégio que freqüentava as reuniões de quarta-feira na casa do quinteto. Era uma casa assobradada, com porão habitável, isto é,.com janelas acima do nível do terreno.
Nesse porão aconteciam as reuniões, constantes principalmente de bate-papos e jogos de ping-pong.
Eu vinha e voltava para essas reuniões no bonde Jardim-Leblon, da Praia do Russell (próximo ao Hotel Glória) à Rua Sorocaba, em Botafogo. Apesar dos tempos tranqüilos, essa viagem noturna não deixava de ser uma aventura para um adolescente, filho único, criado na antiga Praça do Mercado, em Sobral.
Para mim, o ponto alto das reuniões, que só acontecia de vez em quando, dava-se quando D.a Orminda, a mãe do quinteto, nos convocava à sala principal da casa para oferecer o legítimo guaraná paraense, que era bebido em taças do tipo que se usava para champanhe. Por que não mais se produz esse néctar?
Lauro Sodré, já bem idoso, morava com a filha e o genro, e costumava aparecer para sorver o guaraná. Não de pijama, mas de terno e gravata. Às vezes, a seu lado, eu imaginava o que passaria na mente daquele velhinho de fisionomia afável, cuja estatura regulava com a minha, apenas média, de adolescente. O que recordaria, tranqüilo ao lado de sua filha e rodeado de netos, após uma vida agitada na política brasileira? Talvez, sem que eu o soubesse, a cena tocasse também ao menino que, praticamente, não conheceu a mãe.
Do quinteto, todos bons de bola, como disse, alguns também se salientaram nos estudos. Lauro, o mais velho, era apontado como aluno modelo, inclusive pela conduta impecável. Escolheu a carreira de engenheiro, supondo eu ter influenciado a minha própria escolha, sem que, ao que me lembre, tenhamos conversado sobre o assunto. Concluído o colégio, perdi de vista, pelo . resto da existência, os meus amigos, salvo algumas notícias da imprensa e referências eventuais de conhecidos.
Lauro formou-se em engenharia, fez carreira no Ministério do Trabalho, como atuário renomado. Já idoso, com o lar desfeito, ignoro se por morte ou outro evento, passou a residir na sede náutica do Botafogo, na enseada do mesmo nome.
Ormindo, sacerdote jesuíta, dedicou-se à educação e distinguiu-se como reitor da Universidade do Paraná e mais tarde da PUC, no Rio de Janeiro. É falecido. Emmanuel, advogado, era pelo menos até pouco tempo, considerado sumidade em questões trabalhistas. De Eurico, só sei que foi o que mais se destacou no futebol, e de Augusto, que seguiu a carreira médica.
Ao lembrar os irmãos Sodré Viveiros de Castro, reflito que, ao contrário de opinião predominante no resto do Brasil, havia no Rio de Janeiro pelo menos até tempo não muito distante em todas as classes sócio-econômicas, muitas famílias, geralmente numerosas, educadas sob orientação cristã. Além da que é objeto desta crônica, conheci outras, como Maia Penido (da qual fez parte Frei Basilio), Parreiras Horta, Sant’Anna, Gabizo de Faria, Melo Sabugosa (de origem portuguesa próxima), Acioli de Sá (de origem cearense), - por exemplo.

in Correio da Semana, Sobral-CE, 17/03/2000

junho/2003
Luiz Fernando de Lyra Novaes, da turma de 1973, relembra “momentos mágicos” da turma que está comemorando 30 anos de formatura, junto com os 100 anos do CSI.
Ele, saudoso, motiva os colegas para um recontro no colégio. Será uma forma de “criar, refazer, reforçar laços de amizade”, conforme a proposta do Núcleo.
Ao ler as “recordações do Lyra” podemos perceber muitas das emoções sentidas por um adolescente aluno do CSI, agora antigo-aluno.

SELEÇÃO DE 65
Luiz Fernando de Lyra Novaes (73)

Na entrada, a formação no pátio de terra batida era a primeira atividade, todos enfileirados distando um braço do colega da frente e outro ao colega do lado.
Sensação de amplo espaço o Colégio exercia, apequenando nossa condição de meros alunos do primário. Em classe, a pesada e negra cátedra agigantava ainda mais a figura do mestre que ali se colocava.
Fantasias mil nos intervalos entre as aulas, na descompressão, a chaleira soltava de seu interior efervescente os vapores até então acumulados. Guerras de bolinhas de papel, foguetinhos, empurrões, chicletes colantes no teto e outras coisas mais. O Vilobaldo e o Mourão eram os mais atuantes.
Assim, se passavam os dias!!!!!
Pelosi, Nadaluci e Tarcísio lideravam a competição pelos diplomas de príncipe, duque e conde. Chamiê ao violão, era o nosso artista. Enquanto isso, o Fogão, o Paulinho e o Josias faziam sucesso no futebol.
No recreio envoltos por uma nuvem de poeira, corriam todos atrás da bola. O nosso orientador espiritual, companheiro e técnico, Pe. Melchert impunha a disciplina para os mais dotados com a arte futebolística, ensaiava um 4-2-4 para os ilustres representantes da 4a série do primário.
Pois bem, eu, o Lyra, tive a sorte de participar deste time. Recordo a equipe formada pelo Melcher, o técnico, com o Oswaldo ou o Marco Aurélio no gol e Penalva, Cardoso, Luiz Augusto, Dias, Lyra, Lage, Abílio, Vilar, Coutinho, Josias, Paulinho, Fogão e Gilberto (Ventania), compondo o restante do time.
Uma das vezes, em Friburgo, em jogo contra o Colégio Anchieta, fomos recebidos com a maior rivalidade pela torcida aguerrida, tendo assim, a primeira experiência de representar o CSI. Do jogo em si, nem me lembro do resultado, mas da emoção e do orgulho de ser um Inaciano, estes a gente nunca esquece!
Agora aos 100 anos de existência do Colégio e ao celebrarmos nossos 30 anos de formados, poderemos relembrar estes momentos mágicos em conjunto, no reencontro que o Paim e o Coutinho estão organizando.
Até breve, com todos lá!!!

julho/2003

COM ESTE ESCUDO VENCERÁS
Alvaro Carneiro Bastos (1971)

Já houve um tempo em que a São Clemente, endereço do Santo Inácio, era a rua das embaixadas, mansões onde moravam nações inteiras, cada uma mais imponente que a outra, fatias generosas do que havia de melhor no estrangeiro, dispostas em fileiras em nome da harmonia universal. Não havia nada mais natural então, para um aluno novato, que o ritual diário de entregar na entrada do colégio a caderneta colorida, como se fosse o passaporte para um outro mundo.
Quando cheguei lá pela primeira vez, no verão de 1962, as lições vinham de onde menos se esperava, como a bola que se jogava no recreio. Era um futebol de gladiadores, daquela fase em que tigres e leões entravam na arena. Dezenas de crianças se chutavam e se empurravam, em meio a uma gritaria de matinê do apocalipse. Mesmo quem não queria jogar, era forçado a chutar a bola, para não ser tragado pelo turbilhão. Não crescia grama naquele pátio e as árvores só não eram arrancadas porque o piso era duro como concreto, de tão pisoteado. Eram sempre os mesmos times: de um lado, os gêmeos Marcos e Marcel Sader, e do outro, o Zé Maria. Todo gol era de autoria coletiva: marcado pelos 15 ou 20 defensores e atacantes que entravam com a bola e tudo. Tudo era motivo de briga que por pouco não acabava em tiros de espoleta. Tudo era levado tão a sério que é estranho a Fifa não manter registros daqueles confrontos.
Aqueles que tentavam manter o uniforme limpo, os sapatos engraxados e a lancheira intacta faziam triste figura. A disputa exigia dedicação integral, mas alguns, como o Henrique, exageravam. Ele simplesmente ignorava a bola, mergulhando de cabeça no olho do furacão. O cara era um possesso: parecia querer demolir numa tarde todos os pilares da civilização. Quando o recreio acabava, ele estava pronto para ser exorcizado: arfante, dentes à mostra, os olhos brilhando, cuspindo blasfêmias, duas ou três professoras tentando acalmá-lo. Os demais meninos passavam cuspe nos joelhos ralados, secavam o suor do rosto na barra da camisa branca e iam estudar, como se nada tivesse acontecido. Nas salas, eram esperados pela professora Vera Lúcia (3.a série), que parecia ter saído de uma capa de revista, ou pela portuguesa Clementina (4.a série), que dava a impressão de que ficaria deslocada em qualquer lugar que não fosse um convento. A diretora, Dona Gilda, percorria as filas para advertir quem não estivesse usando as meias do uniforme, uma infração pelo jeito muito mais grave que o envolvimento na batalha campal que era o recreio.
O Curso de Admissão foi marcado pela presença do professor Renato, que fazia questão de nos tratar como adultos, embora só tivéssemos 11 anos. A partir daí o futebol teria que ser jogado de forma civilizada, num processo que chegou ao máximo de sofisticação no ginásio, quando o Padre Ênio não só elaborava a tabela como apitava os jogos, muitas vezes de batina. Foi nessa época que travamos conhecimento com o Padre Henrique, que tinha sempre uma ambiciosa cota de alunos a pôr diariamente de castigo. Digamos que ele ficava mais à vontade no papel de exercer a ira divina do que Sua misericórdia. Seu olhar era capaz de fazer anjos decaídos se levantarem depressinha. De sua voz, podemos dizer que teria um papel decisivo caso ele fosse escalado para uma partida final entre as forças do Bem e do Mal. Ele parecia nos vigiar até na hora em que, passando em fila pelos corredores, tocávamos os pés da Virgem Maria para fazer o sinal da cruz.
Padre Henrique era mais temido que o inspetor Bigu, encarregado da portaria. Corpulento, óculos escuros, cabelos pretos e fartos, penteados para trás, Bigu era um detector ambulante de malandragens estudantis. Ninguém folgava com ele. Mesmo assim, alguma coisa de vez em quando escapava à sua vigilância, como a garrafinha de gim que o Pragana (como era conhecido Lulu Santos, hoje artista famoso) levou para o recreio, mais para impressionar os colegas do que para beber, até porque estava fora de cogitação preparar um dry martini.
O pior do ginásio acontecia aos sábados, dia de ginástica. A presença era obrigatória: de manhã bem cedo, vestidos de branco como cordeirinhos a serem sacrificados, a gente se sujeitava aos comandos de um professor tipo sargentão, a quem chamávamos de Brucutu, mas só quando ele estava bem longe. Os que mais sofriam - com as corridas, polichinelos, flexões e abdominais - eram os mais estudiosos, por coincidência os menos aptos às atividades atléticas. Suas boas notas ali de nada valiam. Aliás, nada tinha valor ali, só o sofrimento. Brucutu queria formar em poucas horas uma nova fornada de fuzileiros navais americanos.
No ginásio, estudamos os 500 verbos irregulares franceses, a quem Victor Hugo teria dedicado seu livro “Os Miseráveis”. Eram tantos os verbos irregulares que se convocassem uma assembléia e fizessem uma votação poderiam reivindicar para si o status de regulares. Decoramos o discurso de Abrahão Lincoln em Gettysburg, pensando nas baixas que a Guerra Civil Americana continuava a fazer, só que agora bem mais ao sul do continente. Mergulhamos na análise sintática de “Os Lusíadas”, entendendo bem a preocupação de Camões com os marujos que eram forçados a se aventurar “por mares nunca dantes navegados”. Diante de tantos desafios, aprender a rezar a Ave-Maria em francês nos valeu pontos com a santa, com o professor Rainha e, até hoje, com nossas namoradas.
Descobrimos a tradição do colégio nas fotos dos antigos alunos, em quadros distribuídos ao lon go dos corredores, e nas aulas dos professores Dutra e Espinheira, que tinham ensinado Latim e História ao meu pai e ao meu tio, 25 anos antes. Dutra era solene como um senador romano. Espinheira ria da própria idade, mas fazia de bobos os alunos que tentavam caçoar dele.
O país e o mundo estavam uma confusão só, mas o colégio funcionava à perfeição. Dava para matar uma aula inteira lendo uma história de Tintin num daqueles banheiros individuais e limpíssimos que havia nas esquinas do pátio interno. A piscina, cercada de salas de aula por três lados, como um laboratório de atividades aquáticas, estava sempre em condições de uso, assim como o vestiário, com cabines fechadas apenas por uma cortina verde, mas de onde ninguém tirava nada. A biblioteca devia ser bem fornida pois, num primeiro contato, encontrei lá todas as aventuras do Sherlock Holmes. Às quintas-feiras à noite, na época do ginásio, eram exibidos no teatro grandes filmes. A platéia estava lotada no dia em que passaram “Álamo”, com John Wayne e Richard Widmark.
Quando chegamos ao Clássico, bastaram algumas aulas para que nos sentíssemos intelectuais. A professora Maria Luiza Nogueira, de literatura inglesa, nos mandou ler, no original, “Portrait of a lady”, de Henry James. O professor de literatura francesa, José Luiz Rodrigues, nos falava de existencialismo, de impressionismo e nos levou para ver, em São Paulo, a Bienal de Artes Plásticas. O professor Ricardo Rossi, de História, narrava episódios da II Guerra Mundial com a riqueza de detalhes de um bom romance, a ponto de ainda hoje eu procurar ler tudo que posso sobre o assunto, com a mesma paixão. O professor Clóvis Dottori, de Geografia, nos deu uma amostra das possibilidades do mundo, nos levando ao frio e à altitude de Itatiaia e nos alertando contra a formação de grupinhos que inibiam toda camaradagem.
Logo depois veio o vestibular e cada um foi para a sua faculdade. Acabava a era da confraria e começava a vida real. Para muitos, este salto sobre o abismo não se completou e fico imaginando quantos não trocariam tudo o que veio depois pela perfeição do mundo fechado que era o Colégio Santo Inácio. Fomos preparados para o sucesso, mas ele não é garantido, automático. Outros fatores interferem, como a falta de sorte ou um temperamento retraído.
Para estes, a saudade é maior. Para eles, o escudo do Colégio Santo Inácio é uma caixinha de boas lembranças. Nela eu reencontro Carlos Guisard Keller, um amigo do ginásio, companheiro de leituras de Júlio Verne, de quem gostávamos por motivos opostos, e de viagens a Taubaté. Ele me faz lembrar também da tentativa de Pragana de me ensinar a tocar no violão a canção “The Poster”, do grupo The Monkees, com certeza o único emprendimento musical fracassado, e não por culpa dele, do brilhante Lulu Santos. E me traz de volta Marcelo Camolez e Umberto Cinelli, com quem dividi diariamente, durante os três anos do Clássico, cantarolando músicas de rock, minha perplexidade diante do mundo.
De tudo o que significou o Colégio Santo Inácio, do que será que mais sinto falta? Para começar, de tudo. Se tivesse a oportunidade, passaria tudo a limpo, cadernos, deveres de casa, relacionamentos, atitudes, não para ser o primeiro da turma, mas para saborear de olhos fechados cada momento, como a gente fazia com o misto quente ou o cheeseburger da velha cantina. A saudade que sinto hoje me faria, se fosse possível voltar no tempo, tratar com o maior carinho mesmo aqueles que na época não faziam a menor questão de serem meus amigos.

julho/2003
Ivan de la Rocque, antigo-aluno de 1962, “engenheiro de canudo, arquiteto de coração, urbanista sem canudo, paisagista por intuição”, escreveu uma série de crônicas, transformadas em “literatura de cordel” por Maria Antonia Braga de Carvalho.
Todos os textos foram reunidos no livro “Prosa versus Verso”, publicado há algum tempo.
É desse livro a prosa e o verso Coroação.
Ivan também é autor do livro O Rio de Janeiro no Terceiro Milênio - ver foto 586 no “site” fotos & recordações

COROAÇÃO
Ivan de la Rocque (62)

Lá por volta de 1955, no mês de maio, fui avisado pelos jesuítas do Colégio Santo Inácio que, por ter tido as melhores notas da minha turma, seria responsável pela coroação da imagem de Maria.
Os padres montaram no teatro do Colégio um enorme altar, muita renda, e muita seda, cores suaves, muito azul e muito branco, luzinhas piscando, coisa de importância...
De quando em quando, havia um pequeno patamar que me facilitaria acesso à Santa, que ficava lá em cima, bem no alto! Uma escalada complicada que, só de olhar, me deixava arrepiado. Gordo e desajeitado, tinha medo de um desequilíbrio que me fizesse desabar lá de cima com Santa e tudo. E ia ter de fazer tudo aquilo na frente de imensa platéia...
Quis desistir, entregar a tarefa ao segundo lugar, declarar-me incompetente.
Helena, minha mãe, que estudara tanto quanto eu, me preparando para aquele sucesso, não se conformava ao me ver querendo jogar a toalha. Apelou para todos os meus sentimentos de culpa.
— Ivan, os padres vão ficar sentidos. E a Santa? Já imaginou se ela se zanga? Você tem que ir!
Tinha eu, na época, onze anos. A grande festa da Santa seria no treze de maio. O altar ficou pronto no início do mês de Maria.
Naquela primeira quinzena de maio, a cada dia, disfarçadamente, entrava no teatro e avaliava criteriosamente os malefícios que o altar, agora um inimigo, poderia me causar. Quanto mais ia chegando o dia da coroação, mais nervoso ia ficando. Foi esse o prêmio que tive por ser CDF: minhas primeiras insônias.
A Santa, lá do alto, expressão de gozação, parecia perguntar:
— Ei! Gorducho! Você vai dar conta?!
O teatro enorme e escuro. O altar e a Santa. Eu suava frio:
— Ei! Maria! Por que já não veio coroada?
Finalmente chegou o dia 13 de maio! Dia da Virgem!
Teatro repleto, botando gente pelo ladrão.
Sentei-me lá no canto, mesmo porque, pernas bambas e trêmulas, de pé não agüentava ficar... E a Santa me olhando... De vez em quando dava-lhe também uma encarada.
— Ei, Maria! Não está acreditando, não é? Pois hei de conseguir! Chego até aí e vou coroá-la!
Os padres anunciaram alguns números da programação: uns colegas cantaram, outros declamaram. E eu tremendo no canto... Até que chegou a minha hora! Os padres anunciaram que a melhor nota do Admissão iria coroar a Virgem.
Levantei-me sob aplausos, respirei fundo e fui em frente. Na base do altar, um jesuíta daqueles me passou a coroa. Lá fui eu! De patamar em patamar... Equilibrando e suando... O negócio era não olhar para baixo! Só para cima!
Na metade do caminho, tudo balançou. A Santa também. É agora! Vem tudo abaixo!
— Calma, Ivan!, falei baixinho. Fica parado um pouco!
A Santa e o altar pararam de balançar. Acalmei-me um pouco... Respirei fundo e continuei.
De repente, me dei conta que tinha chegado ao último patamar. Agora era uma questão de me equilibrar e alcançar a cabeça da Santa, metendo-lhe a coroa.
A platéia vibrou! Ouvi muitas palmas. Senti que todos torciam por mim.
Agora começaria a operação mais complicada: a volta...
Quando iniciei o retorno, fiz um movimento brusco e tudo tremeu. A Santa também. A coroa desequilibrou-se e foi quicando pelos patamares, altar abaixo...
Foi uma gargalhada geral... Eu lá em cima e a coroa lá no chão!
— Jogue aqui para mim, seu padre!
— Não, vem buscar! Eu me esqueci de colocar o pino que fixa a coroa na cabeça da Santa.
Fiquei irritadíssimo com aquele jesuíta! Odiei todos os daquela ordem. O Marquês de Pombal é que estava certo quando botou todos eles pra correr! Contive, a custo, um Viva Pombal!
Como aquele padreco poderia ter esquecido o tal pino? Que sacanagem!
Vim descendo devagar. Vermelho de vergonha, quase roxo de raiva. Minutos do Padre Eterno. Cheguei, finalmente, ao chão. Peguei a coroa e o pino. Agora seria mais complicado, porque lá em cima ainda teria que achar o furo da moleira da Virgem.
Patamar por patamar, novamente, Padre desgraçado! Suava frio, evitava movimentos bruscos. Até que cheguei. Agarrei-me à base da Santa. Com cuidado para não olhar para baixo. Estava pingando, o uniforme de gala coladinho em mim. Vagarosamente, consegui ficar de pé. Apalpei a cabeça da Santa. Lá estava o buraquinho! Com exatidão admirável, acertei de primeira. A coroa fincada, presa pelo maldito pino.
Pode balançar à vontade, dona Santa!
Desci bem devagar. Entre o ridículo e o vitorioso. Ao chegar ao chão, aplaudido pela platéia, construí, em minha cabeça de menino, uma firme determinação que até hoje me acompanha: nunca mais coroar ninguém!

Coroação
Maria Antonia Braga de Carvalho
Vejam só o nosso Ivan
Um aluno aplicado
Que por prêmio recebeu
Trabalho bem complicado

Aliás não foi trabalho
E sim a grande missão
Galgar o altar da Virgem
E fazer a coroação

Coitado! como sofreu
Gordinho e desajeitado
Foi subindo os patamares
Muito trêmulo e preocupado

Sua maior preocupação
Era enfrentar a platéia
E devia estar xingando
Quem tivera aquela idéia

Escalada complicada
Mal dizia tanto estudo
Temia um desequilíbrio
Despencar com Santa e tudo

Passou dias tenebrosos
Já não dormia direito
Ficava horas inteiras
Pensando a esse respeito

Finalmente chega o dia
Da grande coroação
Teatro todo repleto
Com gente pelo ladrão

Os padres anunciaram:
— Melhor nota do Admissão
Vai agora até a Virgem
Fazer sua coroação!

Sob aplausos lá foi ele
Vencendo os patamares
E chegar até o topo
Sem ninguém ir pelos ares

O pobrezinho tremia
E a Santa balançava
De repente ele vibrou
Pois no alto já se encontrava

Mas a operação da volta
Não foi fácil. Ele tremeu
Por um movimento brusco
A coroa estremeceu

Deslizou altar abaixo
Vindo bater cá no chão
E o Ivan muito enfezado
Com tamanha confusão

Com raiva do jesuíta
Culpado pelo incidente
Viva o Marquês de Pombal
Quase grita de repente

— Não foi ele quem expulsou
Os jesuítas do Brasil?
Mas ao Ivan só restava
Dar uma de varonil

E bisar a escalada
Dessa vez mais devagar
E com toda precisão
Sua Virgem coroar

Com o retorno tranqüilo
Patamar por patamar
Já no chão foi taxativo
Nunca mais vou coroar.

agosto/2003

SANTO INÁCIO
45 ANOS

um grupo* de antigos-alunos de 1958 visitou o CSI no dia 13/jul; passearam pelo colégio; recordaram os “velhos tempos”; na mesma sala em que a Turma de 1958 passou o último ano de Santo Inácio, Oswaldo Barbosa Pereira (1958) leu o seguinte texto:

FUNDADOR, ÉS INÁCIO E GENERAL
DESTA COMPANHIA REAL
O uniforme novo, de um cinzento estranho, em 1951 foi a primeira vez que o vi...
Que saudade!
Meus primeiros e incertos passos na imensidão dos corredores, que cheiravam a uma tradição que eu não podia sequer entender.
Dentro do silêncio imposto, marchávamos em longas filas por este chão, cujo desenho ficou para sempre marcado na minha memória.
Primeiros dias na vetusta prisão secular, com o fantasma das sabatinas assombrando meus sonhos de menino; o pavor de ficar retido, e enfrentar os pais que, montados em sua ira paterna, tinham que vir nos buscar depois da hora.
Então, aflorava suprema a figura temível de um homem de insuspeitado coração de ouro, cuja voz ecoada ao longe no vácuo dos corredores, ou a simples menção do nome, fazia gelar nosso sangue moleque: Arlindo Barreto, que Deus o tenha.
DESTA COMPANHIA REAL
QUE JESUS COM SEU NOME ASSINALOU
Os meses foram-se confundindo nos anos, e depois do primeiro, já éramos “veteranos” imberbes, descobrindo aos poucos o tesouro que nos estava sendo entregue pelas serenas mãos daqueles que nos ensinavam, corrigiam, disciplinavam, aturavam e, com abnegada dedicação, nos moldavam.
As árvores do recreio foram ficando amigas; o escudo colado no peito do uniforme começou a colar-se também no coração.
E, nele, filtrava-se lentamente o amor por este casarão, ao mesmo tempo que o conhecimento entrava pelos ouvidos e pelos olhos.
De repente, as calças ficaram compridas, a voz engrossou e o incipiente buço foi triturado pelo primeiro barbeador elétrico.
Acontecia o rubor da primeira paixão, nas saias do Jacobina ou do Sacré Coeur.
Como uma ventania inesperada, fomos apanhados pelo reboliço da adolescência, de todos os seus mistérios e revelações.
Foi aqui, que a vivemos.
A LEGIÃO DE LOIOLA, COM FIEL CORAÇÃO,
SEM TEMOR ERGUE A CRUZ IMORTAL
Meu querido colégio.
Quando, há 45 anos dissemos adeus, tínhamos entre 17 e 18 anos – éramos autoproclamados donos do mundo.
GAUDEAMOS IGITUR JUVENES DUM SUMUS é o dístico da Universidade de Heidelberg. Alegremo-nos, pois, enquanto somos jovens.
E, cegos pelo ardor do brilho da juventude, fomos embora quase sem perceber o formidável esteio moral, cívico e humanístico que você, meu querido SANTO INÁCIO, através de seus sábios de infinita paciência, nos inoculou irremediavelmente.
Mas hoje, minha ALMA MATER, como os americanos tão inspiradamen-te chamam suas escolas secundárias, minha ALMA MÃE, hoje aqui viemos nós, os que aqui estão e os que já se foram, dizer o que não foi dito, render nossa homenagem, beijar sua mão, aconchegarmo-nos no seu seio e regozijar na amizade e na lembrança que aqui nos trouxeram neste dia 13 de julho de 2003.
AD MAIOREM DEI GLORIAM

Oswaldo Barbosa Pereira (58)

* no grupo: Gustavo Miguez de Mello; Jeronymo Martiniano Lima Rocha Figueira de Mello e esposa; João Carlos Faveret Porto e esposa; João Lizardo Rodrigues Hermes de Araujo e esposa; José Bueno Carneiro Novaes; José Carlos Fialho Rodrigues e esposa; José Corrêa da Silva e esposa; José Ribeiro de Castro Neto; José Ricardo de Oliveira e esposa; Jório Salgado Gama Filho e esposa; Juan Ramon Itiberê Bernadez e esposa; Mauro José Ferraz Lopes e esposa; Ney Garcia da Costa e esposa; Oswaldo Barbosa Pereira e esposa; Paulo Rodolfo Pellicano; Pedro Paulo Soares Souza Carmo; Roberto José Torres Neves Osório; Roberto Ribeiro Gomes Lima; Wilson Salazar Filho e esposa.

setembro/2003

UMA NOITE NA NOSSA HISTÓRIA
Renan Feghali (1975)

A Missa do Centenário do Colégio Santo Inácio foi uma noite com o sentido do tempo. Maria Cecília Fortunatto e eu fomos os bem-aventurados da Geração 75 presentes a partilhar na procissão da entrada, com outros ex-alunos, a honrosa bandeira dos anos 70. Estandartes dos anos 40 aos 90. O pátio central, como jamais vira, estava democraticamente liberado e iluminado para a cerimônia, com centenas de cadeiras sobre os jardins para a platéia. O altar elevado ao fundo, de costas para o anfiteatro, ladeado por um coral de crianças do CSI e por um telão, com os corredores laterais até o terceiro andar lotados de ex-alunos, alunos, familiares e professores, compunha uma Igreja em projeção para os Céus. Que devem ter ouvido nos sas preces, garantindo um clima abençoado, quase frio e sem chuva, tempo de encomenda para o dia de Inácio de Loyola. Nossos interlocutores na homenagem, os padres que lideraram a cerimônia cantada e musicada, foram o Arcebispo do Rio de Janeiro, os padres representantes dos Jesuítas e dos colégios “co-irmãos” de São Bento, São Vicente e Santo Agostinho. As santas autoridades conferiram importância ao evento, a emoção maior foi rever os ex-reitores, e os Padres Klein, Justo, e Henrique que marcaram nossa turma, do primário à formatura. (saudade do Pe. Paco) O ponto alto foi o inesquecível sermão de Dom Euzébio. Confessou a sua franca admiração pelo papel dos jesuítas na educação e formação dos cristãos. A partir de um censo rápido entre os padres co-celebrantes, membros de outras congregações, o Arcebispo identificou que quase todos foram ex-alunos dos jesuítas, à única exceção de si mesmo. Penitenciou-se, afirmando-se estudioso e devoto dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, que a todos recomendou como uma apostila e gramática de fé. No Seminário fora aluno de padres.jesuítas, especialmente de Filosofia. A esses devia sua formação “platônica”, não aristotélica, traindo sua visão iluminista da religião. Apesar de debater no púlpito contra os enciclo-pedistas franceses, a defender a universalidade e humanidade do sentimento religioso. Dos professores jesuítas que tive-ra - “todos grandes personalidades, não importa se bom didatas ou não” -, pode depurar o estilo de educação dos inacianos, resumindo em três características principais. A primeira, a preocupação em liberar e saber cultivar em cada ser humano o seu dom, a sua vocação maior, que se não bem cuidada e apoiada, não terá chance de germinar e crescer para o bem da sociedade e da glória de Deus; em seguida, a do sentido social e comunitário de pensamento dos jesuítas; e completando, da força e prática de sua fé. Uma pedagogia cristã voltada ao mesmo tempo para o indivíduo, a sociedade e a espiritualidade. Ou, visto pelo nosso lado de alunos e pais, a educação sob o compromisso da combinação de modernidade, humanismo e religiosidade. Sem dúvida esse é o legado e a marca da nossa formação no Santo Inácio, que nos guiam pela vida. Foi uma missa bonita e longa, não se sentiu o tempo passar. O senso da história abriu uma pausa no tempo. Fechou a noite a mensagem do Superior da Ordem dos Jesuítas do Rio. Após rever o papel sempre missionário dos Jesuítas na história do país, de Manuel da Nóbrega e Anchieta ao antigo Colégio do Morro do Castelo, da expulsão em 1753 ao retorno dos Jesuítas no Século XIX, culminando com a reabertura do Colégio Santo Inácio e a fundação da PUC pelo Pe. Leonel Franca, pediu o apoio da sociedade ao trabalho dos religiosos e educadores inacianos, face o número insuficiente de membros da Companhia de Jesus. E expressou os votos de que o trabalho do Colégio, e de seus alunos e ex-alunos, possam contribuir para uma sociedade brasileira mais inclusiva e construída no Amor.
Amém.

setembro/2003

A sopa acabou em 74
Alexandre Carlos Pinheiro Fernandes(Xandu) -1974

Para um menino de dez anos, sair do subúrbio para estudar na Zona Sul da cidade já seria uma aventura e tanto. Certamente eu não tinha uma perfeita noção do que aquilo representava. Ao transpor o portão do 226 da São Clemente pela primeira vez, para a prova de seleção, tudo era surpreendente. A magnífica arquitetura, contudo, em breve pareceria menor diante do espírito e do legado daquele local. Um entusiasta colega de trabalho do meu pai dizia que eu teria o melhor ensino do Rio de Janeiro e um dos melhores do Brasil. Aos poucos fui entendendo o verdadeiro significado daqueles quadros de fotografias que eu via pelos corredores e fui compreendendo que se iniciava uma nova fase da minha vida.
Nos primeiros dias de aula, fui obrigado, após algumas tentativas frustradas de localização de onde eu morava, à opção pelo vizinho mais famoso, o Méier. Ajudou-me o fato da então recente inauguração de um dos primeiros Shoppings Centers do Rio e do primeiro tobogã da cidade, moda entre os jovens da época. Os novos colegas jamais haviam escutado falar no meu bairro, Del Castilho (lembro do dia em que o Abílio Aranha, grande parceiro, emprestou o som para uma festa que eu organizei e fez questão de ir até lá, com a coragem de verdadeiro desbravador do final da década de 60).
O que poderia ser discriminatório, especialmente pela famosa e ainda tão atual diferença social, acabou se transformando numa referência positiva. Contribuí com o meu jeito comunicativo e em breve a comunidade adotava aquele espécime raro de além túnel (Penso que éramos três. O introspectivo Jair de Freitas morava no Jacaré, por coincidência oriundo do Colégio Brasileiro de São Cristóvão também, e o sério Antonini vinha da Tijuca, reduto de famílias tradicionais naqueles tempos).
Um personagem do livro “Alexandre e outros heróis” (Graciliano Ramos) completou o quadro, batizando-me de “Xandu”, apelido conhecido nos quatro cantos da escola e que me acompanha até hoje, às vezes mesmo em família.
Inúmeras lembranças dos nove anos que percorri até o vestibular. Passam pe-la imponência do Cegalla e do Jacques Chambriard; a descontração do Pedro Paulo e do Cinelli; o “flanatismo” mais do que sadio das segundas-feiras do Motta; a malhação exacerbada com o Lincoln Brucutu; a rigidez disfarçada do Renato Magno de Araújo; a vigilância maternal da Blandina; a orientação tranqüila do Padre Glauco, Barbosinha até hoje; as professoras, algumas objeto de desejo outras de caricatura (a bolsa de apostas de “Olha aquiiiii”); a inspeção do Wilson (depois do Müller ele aprendeu que a bexiga não é tão elástica assim) sempre de óculos de policial, do “Zezinho” com rigor e bastante paciência, além do boa praça “Quenquém”; a tão esperada e gratificante presença das meninas a partir do Segundo Grau; os papos sobre História do Brasil e OSPB com a Rachel de Queiroz, tia do Flávio Salek; e, especialmente, a camaradagem entre todos, apesar de uma e outra natural divergência resolvida no recreio ou de forma mais extremada “na Mariana”.
A caminho de casa, também era na rua Dona Mariana onde eu batia de porta em porta nas Embaixadas para pedir envelopes de correspondência. A expectativa maior ficava por conta da Embaixada da antiga União Soviética, a única cujo acesso era vedado e que dispunha de portão automático com “olho mágico”. Em plena ditadura, é provável que eu tenha sido seguido alguma vez como mensageiro dos comunistas. Ainda mais despistando ao pegar dois ônibus e demorando quase duas horas para chegar a um “aparelho” tão longe. Se não fui, fazia de conta. Em casa eu retirava cuidadosamente os selos com a ajuda do vapor da chaleira, guardando-os meticulosamente em um álbum que me permitia viajar pelo mundo em cada estampa.
O eterno risco das citações é a injustiça. Considerem-se, portanto, todos lembrados. Porém, julgo interessante citar a permanente disputa no boletim entre o Quintanilha e o Fischer, ambos sem perfil de gênio e praticantes de bom futebol; as piadas e as músicas do Tarabini, sempre homenageando os mestres (Professor Cinelli é um cara legal...); a refinada categoria do futebol do Bruno “Pinel ” Milone (e saudades do Pedro Henrique Cabral Rumy, grande craque e colega que partiu tão cedo...), incompreensivelmente torcedor do América (aliás, só me lembro de um vascaíno dentre quase 250 alunos, o David Pinto Loja Sobrinho, o “Bacalhau”, tripudiado o tempo todo por rubro-negros, tricolores e botafoguenses); os acessos de riso do David Asfour; o inconstante humor do Malcher, sempre armado do seu com-passo; a paciência, ou melhor, a resistência do Chamoun às espetadas; o início da loteria com o “Bolão Macaco” do Felizardo; o pavio curto e o giz certeiro do Marcelo Sertã; o piano do Pantoja e do Brandão; o violão do “Albuca” (que surpresa o Pedro Paulo Magalhães e o Pessanha se apresentando num conjunto no programa do Jô outro dia); a voz e as confusões do Pará; as cuspidas “com efeito” (foi mal, “Calica”); as disputadíssimas partidas do violento futebol “chapal ”, jogado de sapato no pátio interno; o campeonato “A sopa vai acabar ”, brilhantemente vencido pela insuperável 4ª Turma(que privilégio ter sido um reserva participante) numa sensacional final contra o time dos professores; tantos outros registros, dentro e fora de sala de aula, em Correias(o histórico jogo Brasil x Inglaterra na Copa de 70, que alguém nos obrigou a escutar no radinho de pilha dentro do ônibus, com toda a interferência da serra, porque o horário da viagem teve que ser cumprido) ou em Santa Bárbara(o célebre caso do vinho), que essas poucas linhas ou o bom senso impedem descrever.
Teremos sempre conosco o mais importante: a formação diferenciada que nos distingue. Nossos números não são notáveis como os do Simonsen, do Malan ou do Armínio; nossos poemas e músicas jamais serão comparados às obras do Vinícius, do Cazuza, do Edu Lobo e do Nelson Motta; nossos filmes e textos não terão a qualidade da assinatura do Jabor; nem estamos todo dia na telinha como o Bial. Interessante que tenhamos todos freqüentado as mesmas salas e corredores. Muita honra para nós e para eles. O espaço da notoriedade, reconhecidamente restrito, requer muito talento e bastante sorte. E o anonimato, esse ambiente mais democrático e plebeu, além de ter suas vantagens, nunca é total para os inacianos.
A cada ano o nosso tempo está ficando mais curto e precisamos nos ver com mais freqüência, pois de dez em dez anos tem sido pouco.
Desde o ano passado, curiosamente, ajudei na articulação do lançamento do Selo do Centenário do CSI sem perceber que iria guardá-lo junto com os conseguidos nas Embaixadas. A viagem agora é ao passado, quando éramos muito mais felizes do que parecia.
Quando tenho oportunidade sempre faço uma anônima visita e, em cada passo, cada espaço transfere a energia de uma lembrança.
A sopa acabou em 74. Valeu demais rapaziada.
Obrigado por tudo, Santo Inácio.

outubro/2003
aconteceu
e Ivo Pontes Torres Filho (75) registrou,
fez uma reflexão
e, sutilmente,
um hino de amor

NO OLHO DO FURACÃO
DE FRENTE PARA A VIDA
Ivo Pontes Torres Filho (75)*

Excetuando os temporais de verão e uma ou outra ressaca mais forte, poucas vezes tive a oportunidade de presenciar algum evento climático importante. Entretanto, desde minha vinda para a cidade de Richmond, estado da Virgínia, Estados Unidos, venho acumulando novas experiências. Após sucessivas nevascas, a mais recente foi a passagem do furacão Isabel. O centro do furacão passou precisamente sobre Richmond, na noite da última quinta-feira, culminando uma semana de intensa expectativa. Por toda a cidade e nos estados vizinhos, todos acompanhávamos as previsões de rota do furacão, a evolução da velocidade dos ventos, o deslocamento forçado de centenas de milhares de pessoas.
Apesar de a força dos ventos ter diminuído em comparação àquela próxima ao litoral, vivemos uma noite tensa na quinta-feira, com rajadas de até 120 km/h. O fornecimento de água foi interrompido. Uma explosão não muito distante à nossa casa assinalou a perda de energia elétrica para também todas as casas ao redor. Minha mulher e eu ouvíamos (e, às vezes, víamos) grandes ramos de árvores estalando e caindo. Sirenes tocavam à distância. Era uma tempestade diferente, com muita chuva mas sem trovoadas, relâmpagos ou raios.
A manhã seguinte (como por vezes apresentada em filmes ou romances) foi de um lindo céu azul, sol brilhando, como se nada houvesse acontecido horas atrás. As pessoas (como os animais e os pássaros) saíam pouco a pouco, desconfiados, para verificar como estava o mundo...
Embora nossa casa não tenha sofrido nenhum dano importante, infelizmente, os estragos pela cidade foram maiores do que suspeitávamos. Em todas as ruas que passamos (e foram muitas) era possível encontrar pelo menos uma árvore caída: quebrada ou arrancada do solo. Muitas tombaram sobre fios de alta tensão e algumas sobre carros e casas. A maior parte da cidade ficou (e grande parte ainda permanece) sem água e sem energia elétrica. Um incêndio em um grande restaurante próximo consumiu o estabelecimento até o fim porque os bombeiros não puderam ter acesso a nenhuma fonte de água funcionante. Hoje, cinco dias após a passagem do furacão, continuamos sem energia elétrica em nossa casa (apenas a água foi restabelecida, dois dias atrás).
Impressionante ver como, em pleno século XXI, continuamos relativamente impotentes diante das chamadas “forças da Natureza”. Importante sentir a solidariedade que une as pessoas na reconstrução do seu derredor e de sua cidade. Inesquecível saber que o amor é sempre a maior força - como o amor que minha mulher e eu confirmamos um ao outro, à luz de velas, naquela noite. E nem era sonho de uma noite de verão.

* Ivo Pontes Torres Filho é antigo-aluno de 1975 e reside com sua esposa em Richmond, EUA, trabalhando como “Associate Professor of Physiology and Anesthesiology” na “Virginia Common-wealth University”.

dezembro/2003

VINICIUS, MEU IRMÃO
Laetitia Cruz de Moraes
in Coutinho, Afrânio (org.) Vinícius de Moraes - Obra Poética. Rio de Janeiro. José Aguilar Editora, 1968.

Terminada a escola primária, Vinicius, apesar de não ter ainda a idade regulamentar, entrou para o Colégio Santo Inácio, em Botafogo. (...)
A primeira coisa que fez ao ingressar no Colégio e assistir à primeira missa foi oferecer-se para cantar no coro da igreja.
Não contou nada em casa. Soubemos do episódio mais tarde, ao distinguir minha avó, durante a missa, sua voz entre os solistas do coro e indagar do Reitor como Vinicius ali chegara. - “Ele se apresentou ao padre”, contou o Reitor, “e disse que tinha muito boa voz e queria cantar também.” (...)
Além de membro do coro da igreja, jogava na linha do time de futebol do colégio, competia em todos os jogos esportivos das festas colegiais e participava, primeiro como coadjuvante e mais tarde como ator principal, das peças, quadros religiosos e sketches representados - enfim de todas as atividades das festas de fim de ano do Santo Inácio. (...) Vejo, particularmente, Vinicius ganhando corridas de três pés, salto em altura e corrida rasa. (...)
A parte noturna das festividades compreendia a distribuição de prêmios e menções honrosos aos alunos de todas as matérias de todos os anos do ginásio. Há de se ver que a lista era interminável e a voz do padre que lia o rol dos nomes, tão monótona, que vovó Neném, sempre nossa acompanhante às festas, cochilava escandalosamente, murmurando a cada vez que acordava: - “Que xaropada!” E era mesmo.
(...) Vinicius também era citado. Ganhou muita medalha e menção honrosa em Português, História, Ciências, Línguas. Nunca em Matemática.
O melhor, para mim, eram, no entanto, as representações, pois Vinicius aparecia virtualmente em todas. Exatamente como hoje. Nas primeiras festividades de que participou fez, por exemplo, doze números diferentes, em que se incluíam várias cançonetas, uma das quais “O Mafuá”. Ai, o Mafuá foi um fracasso, pois o ator estreante, tantos os números a decorar, sofreu momentâneo lapso de memória e foi preciso que a orquestra lhe desse três ”entradas”, e o “ponto” soprasse forte, para que ele engrenasse na cançoneta sensaborona, que começava assim: Ah. o mafuá. coisa melhor não há... (...)
Rememorando, vejo essas festas como as mais cacetes do mundo, com seus “quadros” de martírios de santos, peças religiosas com nomes impressionantes, como O Martírio de São Lourenço. Achei-as lindas, na época, e ainda hoje, apesar do que me dizem os padrões mínimos de bom gosto que vim a adotar, enternecem-me profundamente.
Há que mencionar aqui a Grande Revolta de um grupo de alunos do quinto ano, encabeçados por Vinicius, Renato Pompéia da Fonseca Guimarães e Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira, na festa de encerramento do curso. Não sei por que artes, haviam conseguido arrancar do Padre Reitor, meio receoso, a autorização de encenarem a peça que haviam escrito e seria surpresa. Posteriormente, e temendo que a surpresa fosse maior do que convinha à presença ilustre do Cardeal à festa, foi-lhes retirada a permissão, sendo-lhes entregue para ensaio um dos dramalhões habituais. Passaram os rapazes a realizar abertamente os ensaios da peça oficial e, às escondidas, os da outra que se chamava: O Bilhete de Loteria.
Na noite da festa, quando se anunciou do palco que a peça seria O Bilhete de Loteria, os padres quase desmaiaram e, não fosse a presença do Cardeal, teriam certamente tomado alguma providência drástica.
A princípio, assistiram inquietos à peça inócua, porém engraçada, acabando por se divertirem a valer com as “piadas” e a atualidade da comédia, totalmente escrita e encenada por Vinicius, Renato e Moacyr, que também nela representaram, juntamente com outros estudantes em papéis secundários.
O que sei é que foi aquela a primeira vez que a assistência aplaudiu com calor uma representação no Colégio. (...) Nesse tempo fez Vinicius o primeiro desenho animado que vi na minha vida. Se foi arte dele ou aprendida de alguém, não sei. Para mim, antecipou-se a Walt Disney em muitos anos. (...) fazia uma série de desenhos em tiras iguais de papel, em que um homem, por exemplo, aparecia primeiro em pé numa ponte, depois inclinado para a frente, a seguir no ar, a cabeça apontando para baixo, e finalmente mergulhando na água. (...) Vinicius fazia-os se desenrolarem rapidamente, de modo que a seqüência de gestos era vista como um movimento só. (...)
Vinicius estaria, talvez, no seu segundo ano ginasial quando se lançou a duas grandes empreitadas. A primeira, a organização de uma “quadrilha” com sede no porão da casa. (...) Na primeira reunião da quadrilha sentamo-nos, em círculo, sobre paralelepípedos arranjados sabe Deus onde e fumamos uma espécie de cigarro da paz, feito de papel de embrulho e folhas secas de goiabeira. Os estatutos, como de praxe em casos idênticos, foram assinados com sangue e a pena mínima para quem quebrasse o segredo era A MORTE.
Vinicius, como sempre, era o Chefe e respondia pela alcunha de “Braço de Aço”. (...) O fim da quadrilha era, evidentemente, o roubo. E este o praticávamos com o beneplácito da família, que achava graça em ver-nos. esgueirar pelos corredores “sem sermos vistos” e apanhar as moedas que, de propósito, largavam sobre os móveis. Com o produto do “crime” íamos ao cinema, às quintas-feiras, e, delícia das delícias, tomávamos sorvete de casquinha. (...)
A segunda empreitada foi a feitura de um romance de mistério. (...) O que dele houve foi bem aceito pelo público, resumido mas seleto: o Helius. (...)
Tenho a impressão que, dos doze aos quatorze anos, Vinicius brigou na esquina, todos os dias úteis, como se assinasse um ponto. Deve ter saído sempre vencedor, pois não me recordo de tê-lo visto entrar de nariz sangrando ou roupa rasgada. O cabelo, sim, voltava arrepiado, mas como fosse esta sua condição permanente, ninguém reparava.
Ao atingir 14 anos, Vinicius ficou semi-interno no Santo Inácio, o que garantia suas horas de estudo e a preparação das lições do dia seguinte. Ficava assim com as noites livres e era praticamente impossível retê-lo em casa. (...) Creio que, na época, ensaiava namoricos com as meninas da rua. Como sempre foi “moita” nestas questões, não soube nunca quem eram, a não ser talvez uma mulatinha sapeca por quem ele se ensarilhou particularmente e que lhe fazia “figa” passeando com outro garoto defronte da casa, toda vez que brigavam.
(...) Vinicius, já no último ano ginasial, vestido de branco e componente do pequeno conjunto musical de Paulo e Haroldo Tapajoz. Compôs, nessa época, letras - que iam desde o desespero máximo daquela em que declarava: “Eu sou um incompreendido, não tenho amor nem ideal no mundo”, até a deslavada declaração de amor a todas as mulheres, de “Loura ou morena”, música que fez sucesso na época e teve um breve período de ressurreição há uns dez anos atrás.
(...)
FACULDADE DE DIREITO
OS GRANDES AMIGOS
Terminado o ginásio, e para que ficássemos todos juntos, em princípio de 1929 mudaram-se meus pais da Ilha do Governador para a Gávea, desta vez para o antigo 110 da Rua Lopes Quintas, ao lado da casa onde nasceu Vinicius, e também de propriedade de nosso avô paterno.
Nesse mesmo ano, ingressou Vinicius na Faculdade de Direito, do Catete, não tanto por vocação à causa da lei e da justiça quanto para acompanhar os seus amigos queridos do ginásio - Renato Pompéia da Fonseca Guimarães e Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira - que haviam escolhido a carreira.